Memórias de um sertanejo.

sexta-feira, 25 de junho de 2010





Hoje me alembro da minha vida dura,
Mas alegre, vida no meu sertão.

Mal amanhecia o dia, já tarva de pé.
Vistia minha carça surrada,
Minha blusa disgastada
E meu chinelo véi.

Tomava meu cafezim,
comia um seco pãozim,
Dava um chero na muié,
Saía com meus fio pro roçado.
Pronto pra mais um dia de suó.

Oiava pro céu, e num via uma nuvenzinha.
Num havia de cair do céu, ninhuma gotinha.
Oiava pra terra tão pobre,
e os meus zóio dàgua inchia,
E olhando pro céu, uma prece farzia.
” Deus do céu , mande uma chuvinha,
Nem que seje só uma gotinha.”

Di vez im quando, ele me uvia,
Caia umas gotinhas,
E di alegria, meu coração se inchia.
Prantava uma semente,
Mas num nascia no chão, ninhuma prantinha.

As criança, coitada,
Num tinha comida no fogão,
E chorava pro móde ter um caroço de feijao.
Fazia o que pudia,
Mas a terra pobre e crua,
e a vegetação quase nua,
de fazer muita coisa num pudia.

Minhas mão, tudo calejada de tanto capinar,
Meus pés, firido de tanto caminhar,
O sol do sertão não costumava perdoar ...
Com tudo isso, só pudia lamentar.

Aqui ou acolá,
Nascia alguma coisa que dava pra nois se alimentá,
Mas num durava muito,
Logo tudu era perdido.
Com o gado envelhecido,
E as criança a chorá.



Meu fio mais veio,
Cansado de tanto bataiar,
Resorve ir pra capitá,
Na esperança de um dia estudar,
E quem sabe dotor se tornar.

Um dia me mandou um escrito,
Como num sabia ler, fiquei aflito.
Incarecido a ajuda de alguém letrado pidia.
A professora das criança, que a pouco tempo chegara,
Leu o que meu fio falava.

Com muita alegria, ele falava de uma muié,
Que compadecida da vida sofrida que nóis levava,
Resolveu escrever um livro.
Ele falava de uma tár Raquér,
Raquer de Queroiz que ele falava,
Que havia nascido no Ceará.
E no Rio de Janeiro foi morá,
Pro móde da seca se afastá

A muié estudou,
E escritora se tornô.
Uma arruma de prêmio ganhô,
E importante ficô.
Tanto fez, que hoje tem, no Quixadá,
Com seu nome, um prédio culturar.

No meio de tanto livro que escreveu
Um fato na história apareceu.
Uma coisa que não foi pra celebrar.
Falava da seca de quinze, uma seca de arrazar.

Falava:
Do povo sofrido,
Do gado que tinha murrido,
E da tristeza que se espaiou.
Falava também de um tár sertanejo,
Que trazia a esperança no peito,
E que do sertão não desistiu,
Até que a chuva descer e lavar a terra, viu.

Agradeço a essa muié,
Que com o sufrimento do povo,
Levou educação pra esse mundo todo,
Num tenho mais nada a dizer,
“ obrigada dona Raquér”,
Eu só tenho agradecer.
Obrigado meu Deus por essa muié.

3 comentários:

Unknown disse...

Adorei. Até o sotaque! Hahaha

Moni Saraiva disse...

Que maravilha!

Usou com categoria os regionalismos... Andou lendo Patativa, foi?

Ai, ai...só me orgulha, essa flor!

Amo!

Sara Kellyne. disse...

Li sim flor! :D
te amo. s2