Entre aspas...

quinta-feira, 10 de junho de 2010




  
  Logo eu, que NUNCA duvidei das lembranças, prefiro deixar os momentos passarem. Não me importa mais pensar de quantas cores eu preciso para montar um retrato sem moldura e engavetado. Não me importa por quantas formas e traços passam os lados de um quadrado, se pelos museus as belas artes não são consumadas por inteiro. Não me convence apenas admirar obras estáticas, frias e caladas. Eu queria poder invadir os corredores na surdina e roubar toda aquela admiração pra mim, e quem sabe construir meu próprio museu de lembranças descartáveis, a ser trancado e nunca mais visto. Esquecer tudo e não guardar nada. Não há o que se admirar além de vontades e desperdícios, pregados na parede vazia como a distância de dois palmos entre os olhos fundos e a tinta seca. Eu sigo em passos sem medida, e vejo passar as pessoas que esquecem. Vejo uma sombra, um nuance sem gosto das coisas que se perdem no esquecimento. Vejo o poder de indigestão de uma quase meia dúzia de letras. ESQUECER é uma palavra indigesta. Uma palavra amarga. E é posta no prato como uma outra coisa qualquer, mas no âmbito da garganta ela se prende e suplica por ficar. Eu não quero esquecer. Esquecer está além do que eu posso sentir. O que eu quero é não lembrar. Guardar tudo o que foi em um porão sem chave, e seguir outros passos. Mas todos os passos me levam ao último lugar onde eu gostaria de parar ...
                                                                             Clarice Lispector

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