Memórias.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

   

  Estava escuro lá fora, e o silêncio somente era cortado pelo barulho de alguns carros que passavam, aqui ou acolá, pela avenida. Ela estava na sua cama, deitada, usufruindo da companhia de uma chata insônia. Olhava fixamente para uma mancha escura no teto, e ouvia o tique-taque incessante do relógio, que a fez lembrar do tempo que passara, do que havia acontecido em sua vida até essa noite.
  Lembrava-se da paz que sentia no sítio de sua avó, do suave burburinho dos pássaros ao amanhecer, e do cheiro de bolo de chocolate que era preparado para ela. Lembrava-se do leite fresco que vinha direto da vaca. Da sensação de vôo e de liberdade que sentia quando seu avô empurrava o balanço. Das noites de tempestade, quando sua mãe cantava até que ela, embalada pela voz baixa e pelo sono, adormecia. Recordava-se do piquenique embaixo da laranjeira, daquele doce cheiro de infância.
  Lembrava-se de sua adolescência. Das saídas para o shopping com as amigas, das noites do pijama com o maravilhoso brigadeiro de panela. Dos sonhos, daqueles tantos, e alguns rápidos, sonhos. Das dores que oprimiram seu coração, e que hoje eram como as cicatrizes em seus joelhos, sabia que tinham doído, mas hoje não eram mais que lembranças, e marcas da sua evolução. Lembrara-se das noites acordadas chorando, das lágrimas, que se tornaram degraus para que chegasse onde hoje estava. Daqueles colegas que pensava que eram amigos, e que passaram para que os verdadeiros chegassem. Dos tantos amores que acreditou serem eternos. Da transformação.
  Estava agora em seus 20 anos, e os desejos, os sonhos não eram mais os mesmos. E nem as dificuldades, hoje elas eram bem maiores. O que antes a fazia perder o sono, agora já não significa mais nada. Já não chorava pelas mesmas coisas. 
  Nessa noite veio a perceber como o tempo passou rápido, levando aqueles doces dias. Levou as tristezas, as alegrias, as idéias e os conceitos mal formulados. Sem aviso nenhum, levou tudo, sem ao menos se importar se ela havia construído o que queria, se fizera o que era pra ser feito. Ele simplesmente passou. Só não levou consigo as construções bem alicerçadas, o amor de seus familiares, aquelas amigas de longas datas, e aquela eterna criança que trazia escondida em seu peito.
  Nesse momento pensou em como estaria daqui a 20 anos. Em como o que hoje era importante para ela, seria somente bobagem. Pensou nas lembranças que novamente teria, e mesclou isso ao delicioso sabor da liberdade de ir e vir ... Stop! Resolveu guardar esses sentimentos para depois, pois o dia já amanhecia e o sono chegara, lhe embalando como se ela ainda fosse aquela amedrontada criança em noites de tempestade.

“ E não posso corrigir nem o tempo, nem a vida, nem o sonho. 
Nem minhas correntes, nem minhas asas. 
Sim. Eu ficarei sozinha. 
Porque um pedaço de mim, talvez o melhor, está de partida.
Juntando as tralhas, as bases, as forças, os sorrisos e as coragens.... pra partir. 
O que sobrará será uma sombra do que um dia foi luz, oxigênio, cais, fortaleza e horizonte.”
(Van Luchiari.)

1 comentários:

Moni Saraiva disse...

Que conto maravilhoso!

Muito bem escrito, tempo, sequência, imagens...tudo o que nos faz sentir parte dele!

Orgulha-me cada vez mais!

Beijo, beijo!

(P.S.: escrevi outro comentário pq deu problema no envio...se tiver ido dois, escolhe e fica com um...;)